30 de novembro de 2018

Elogio do colapso



Em meus anos de leituras libertárias mais diligentes, eu gostava muito de uma citação que era mais ou menos assim: "O governo está sempre fazendo reformas. Reforma da educação. Reforma da previdência. Reforma tributária. Reforma do sistema de saúde. O que isso implica é que o governo não foi capaz de acertar nas primeiras cinquenta vezes". Pode ser que eu tenha fabricado essa memória,´mas sempre imaginei que era uma quote do P.J. O'Rourke. Com quase 10 minutos completos de apuração no Google, aparentemente a citação inexiste, ou talvez eu tenha usado as palavras-chave erradas; de qualquer forma, continuo a achar muito espirituoso esse P.J. O'Rourke fabricado pela minha mente.

Porque, realmente, o governo está permanentemente em estado de reforma. Scratch that. O governo permanentemente está em estado de necessidade de reforma. Políticos e pundits que orbitam políticos gostam de asseverar a necessidade das reformas; se apenas elas fossem feitas, o estado seria bom. A falta de reformas, não sua natureza decadente intrínseca, destrói a viabilidade estatal.

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Lembro vivamente que Obama foi eleito com a promessa de unir a nação americana fraturada pela crise econômica. Em 2002, Lula era alçado como putativa segunda chegada de Jesus Cristo. Brasileiros eram educados por todos os lados que Lula, como Reinhard von Lohengramm, uniria uma nação dilacerada, com marcas profundas do passado. Mesmo hoje em dia, eleito Bolsonaro, que nos asseguram ser tão infinitamente diferente, uma quebra ontológica com o que define a presidencialidade, ele nos garante que unirá o país.

Como reformas, outro business perpétuo do governo é reparar divisões, a promessa de união.

O que me frustra nesse cenário é a baixa velocidade do crescimento da complexidade social e do declínio entrópico da união. É decepcionante, pra mim, que o discurso de unir um país inteiro ainda tenha qualquer relevância -- que seja ainda possível achatar inúmeras divergências irreconciliáveis para mais uma vez, como sempre, tentar um novo pacto nacional.

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A direita venceu, o Olavo de Carvalho indicou ministros, os alunos dele se ajeitam suas novas posições de conforto, com linhas diretas ao WhatsApp dos filhos do presidente eleito. No entanto, continuam com seu chorinho, seu squawking online, se sentindo atacados por todas as instituições respeitáveis. OdeC foi entrevistado pelo Estado de S. Paulo e ameaçou processar a jornalista. A horda de retardados que o segue achou muito foda, botou a jornalistinha no lugar dela, iradíssimo.

OdeC, assim como a maior parte da direita, já conseguiram construir uma rede de comunicação própria. Fazem suas próprias palestras, seus eventos, têm suas redes de contas no Twitter pra ficar compartilhando ininterruptamente notícias de grandes jornais e falando sobre como são ruins.

Isso é outra coisa que me frustra: se você tem um sistema paralelo inteiro, por que você tem que implorar a aceitação dos old powers? Não eram eles os inimigos? Quem lê o Estado de S. Paulo?

Novamente, as fraturas e divisões não são rápidas o suficiente pra evitar o surgimento de narrativas unificadoras. Old media, como Estado, Folha, Globo, é relíquia de uma unidade que inexiste.

Nem estou aqui pra dizer que o OdeC é tão superior a esses jornais. Não. Meu ponto é que ele, e seu círculo, no final, querem só aceitação, união, um compartilhamento total de seus boring ass values, como velhos esquerdistas urbanos. But that ship has sailed.

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Talvez as mídias sociais tenham nos achatado e nos passado a falsa ideia de que existe uma unidade pra ser mantida. Que, com uma tabela de discurso que dá igual peso pra todos os entrantes, existe uma igualdade essencial na comunicação que nos une.

Vivemos numa utopia de comunicação total and we've achieved nothing. Minha utopia não tem comunicação, tem pontos de quebra que tendem ao infinito. Sem união, sem reformas. Principalmente sem lágrimas transbordantes porque jornalistas não leram meus livros. Sistemas políticos open source que podem ser forked e fundidos reiteradamente.

Não dá pra esperar grandes rupturas de um país cuja melhor ideia pra sair do marasmo sufocante foi eleger um militar. Mas eu posso torcer por um colapso alguns nanossegundos mais rápido dessa vez.

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