19 de novembro de 2018

Ao ler este texto, você me transfere dinheiro em proporção direta à atividade captada nos seus neurônios



Entro em uma loja, espero ser atacado por tentáculos que se fixam no meu crânio. Com um só movimento, eles inserem suas agulhas em meu cérebro, eletrodos para deep brain scans, se alojam nos slots que foram cirurgicamente implantados em minha cabeça. Olho um produto e, antes mesmo que eu me dê conta, meu dinheiro já foi sacado e prontamente colocado à disposição do empresário. Com uma descarga elétrica dissonante do meu cérebro, a loja leu meus desejos e percebeu que eu gostaria de comprar seus produtos & serviços. Concomitantemente, meu dinheiro é automaticamente baixado de minha carteira na blockchain e adicionado aos fundos da empresa.

A Comunidade Humana juntou suas melhores mentes e decidiu que o problema mais premente, a questão mais urgente, a dor social mais latejante que se deve solucionar é a falta de meios de pagamento africcionais. Apple Pay, Google Pay, Samsung Pay não passam de concessões, etapas intermediárias no desenvolvimento dos modos de pagamento. Como podemos ficar satisfeitos com essas soluções? -- pergunto eu. Não podemos.

Precisamos de uma utopia quando se trata de pagar contas. Por meio desta correspondência, jogo meu chapéu no ringue das propostas de payment apps que olhem para o futuro, livres do peso do que veio antes. O estado da arte dita que abandonemos nossos cartões plásticos ativados via PIN e adotemos a confirmação dos pagamentos via smartphone; trata-se de uma evolução farsesca que não chega ao core do que significa querer dar dinheiro muito mais rápido para uma empresa.

Penso em algo melhor. Uma proposta future-proof. Ao sair do útero, o bebê deve ser sujeitado a uma leitura preditiva de suas ondas mentais. Seu perfil cerebral, ato contínuo, é enviado à nuvem, onde será analisado e serão determinados seus desenvolvimentos, desejos e demandas futuras. O Sistema cruza as referências da rede neural com dados passados, de imediato cobra o crédito de todo o consumo que será performado pelo humano em toda a sua vida. O nascituro nasce em dívida e paulatinamente quita sua dívida, conectada a seu DNA, ao longo de sua existência.

Numa só tacada, removemos toda a ineficiência de fazer pagamentos através de milhões de iterações ao longo de nosso lifespan. A humanidade, finalmente, poderá se concentrar nas atividades pilares do ordenamento da rotina: trabalho e consumo. Simultaneamente, ninguém mais receberá salários, porque seus rendimentos são automaticamente utilizados para amortizar a dívida contraída no momento do nascimento; e, ao consumir, não é necessário executar o stopgap de um ritual de pagamento.

Machine learning ainda garante que, com o conhecimento dos desejos mais íntimos do ser humano, a classe capitalista seja finalmente empoderada para atender todas as nossas necessidades no momento em que sejam apresentadas. Nunca mais teríamos que nos deparar com a frustração da inexistência de um produto numa prateleira -- qualquer bem já terá sido produzido e enviado para sua residência no momento a manifestação de sua demanda, como predita pelo algoritmo.

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