30 de novembro de 2018

Elogio do colapso



Em meus anos de leituras libertárias mais diligentes, eu gostava muito de uma citação que era mais ou menos assim: "O governo está sempre fazendo reformas. Reforma da educação. Reforma da previdência. Reforma tributária. Reforma do sistema de saúde. O que isso implica é que o governo não foi capaz de acertar nas primeiras cinquenta vezes". Pode ser que eu tenha fabricado essa memória,´mas sempre imaginei que era uma quote do P.J. O'Rourke. Com quase 10 minutos completos de apuração no Google, aparentemente a citação inexiste, ou talvez eu tenha usado as palavras-chave erradas; de qualquer forma, continuo a achar muito espirituoso esse P.J. O'Rourke fabricado pela minha mente.

Porque, realmente, o governo está permanentemente em estado de reforma. Scratch that. O governo permanentemente está em estado de necessidade de reforma. Políticos e pundits que orbitam políticos gostam de asseverar a necessidade das reformas; se apenas elas fossem feitas, o estado seria bom. A falta de reformas, não sua natureza decadente intrínseca, destrói a viabilidade estatal.

*

Lembro vivamente que Obama foi eleito com a promessa de unir a nação americana fraturada pela crise econômica. Em 2002, Lula era alçado como putativa segunda chegada de Jesus Cristo. Brasileiros eram educados por todos os lados que Lula, como Reinhard von Lohengramm, uniria uma nação dilacerada, com marcas profundas do passado. Mesmo hoje em dia, eleito Bolsonaro, que nos asseguram ser tão infinitamente diferente, uma quebra ontológica com o que define a presidencialidade, ele nos garante que unirá o país.

Como reformas, outro business perpétuo do governo é reparar divisões, a promessa de união.

O que me frustra nesse cenário é a baixa velocidade do crescimento da complexidade social e do declínio entrópico da união. É decepcionante, pra mim, que o discurso de unir um país inteiro ainda tenha qualquer relevância -- que seja ainda possível achatar inúmeras divergências irreconciliáveis para mais uma vez, como sempre, tentar um novo pacto nacional.

*

A direita venceu, o Olavo de Carvalho indicou ministros, os alunos dele se ajeitam suas novas posições de conforto, com linhas diretas ao WhatsApp dos filhos do presidente eleito. No entanto, continuam com seu chorinho, seu squawking online, se sentindo atacados por todas as instituições respeitáveis. OdeC foi entrevistado pelo Estado de S. Paulo e ameaçou processar a jornalista. A horda de retardados que o segue achou muito foda, botou a jornalistinha no lugar dela, iradíssimo.

OdeC, assim como a maior parte da direita, já conseguiram construir uma rede de comunicação própria. Fazem suas próprias palestras, seus eventos, têm suas redes de contas no Twitter pra ficar compartilhando ininterruptamente notícias de grandes jornais e falando sobre como são ruins.

Isso é outra coisa que me frustra: se você tem um sistema paralelo inteiro, por que você tem que implorar a aceitação dos old powers? Não eram eles os inimigos? Quem lê o Estado de S. Paulo?

Novamente, as fraturas e divisões não são rápidas o suficiente pra evitar o surgimento de narrativas unificadoras. Old media, como Estado, Folha, Globo, é relíquia de uma unidade que inexiste.

Nem estou aqui pra dizer que o OdeC é tão superior a esses jornais. Não. Meu ponto é que ele, e seu círculo, no final, querem só aceitação, união, um compartilhamento total de seus boring ass values, como velhos esquerdistas urbanos. But that ship has sailed.

*

Talvez as mídias sociais tenham nos achatado e nos passado a falsa ideia de que existe uma unidade pra ser mantida. Que, com uma tabela de discurso que dá igual peso pra todos os entrantes, existe uma igualdade essencial na comunicação que nos une.

Vivemos numa utopia de comunicação total and we've achieved nothing. Minha utopia não tem comunicação, tem pontos de quebra que tendem ao infinito. Sem união, sem reformas. Principalmente sem lágrimas transbordantes porque jornalistas não leram meus livros. Sistemas políticos open source que podem ser forked e fundidos reiteradamente.

Não dá pra esperar grandes rupturas de um país cuja melhor ideia pra sair do marasmo sufocante foi eleger um militar. Mas eu posso torcer por um colapso alguns nanossegundos mais rápido dessa vez.

28 de novembro de 2018

Os melhores jogos de todos os tempos são: Ocarina of Time, Super Mario Bros... e você já pode completar os outros oito!



Abaixo, para conveniência dos escritores da internet, produzi algumas listas perfeitamente genéricas de "Melhores [mídias] de todos os tempos". Para usar em seu site e deixar seu editor contente, você só precisa produzir os blurbs descritivos! Complete seu próximo listicle ou slideshow com estes pre-made assets!

Não são meus favoritos, são listas que mostram que você leu outras listas de Best of e pode entrar em conversas culturais com naturalidade e desenvoltura.

Conhecendo estes nomes, você maximiza seu standing na comunidade cultural humana, ao mesmo tempo em que evita qualquer percepção aprofundada sobre sua personalidade, garantindo que você é uma pessoa equilibrada e bem ajustada o suficiente pra não ter se aprofundado no fandom ou adotado a mídia como hobby.

Melhores [HQs e Graphic Novels] de Todos os Tempos

1. Maus
2. Watchmen
3. The Killing Joke
4. The Dark Knight Returns
5. X-Men: God Loves, Man Kills
6. All Star Superman
7. Saga of the Swamp Thing
8. Persépolis
9. Kingdom Come
10. Ghost World

Melhores [Animes] de Todos os Tempos

1. Akira
2. Cowboy Bebop
3. Neon Genesis Evangelion
4. Astro Boy
5. A viagem de Chihiro
6. Kimi no na wa
7. Fullmetal Alchemist: Brotherhood
8. Death Note
9. Dragon Ball Z
10. Ginga Eiyuu Densetsu

Melhores [Livros Sci-Fi] de Todos os Tempos

1. Dune
2. Neuromancer
3. The Time Machine
4. Foundation
5. Do Androids Dream of Electric Sheep?
6. The Left Hand of Darkness
7. Stranger in a Strange Land
8. Hitchhiker's Guide to the Galaxy
9. Ender's Game
10. The Forever War

Melhores [Mangás] de Todos os Tempos

1. Nausicaä
2. Uzumaki
3. Lobo Solitário
4. 20th Century Boys
5. Akira
6. Berserk
7. Nana
8. Vagabond
9. One Piece
10. Monster

27 de novembro de 2018

Tenho sido terrível em preservar o meu próprio trabalho



Uma das passagens literárias que permaneceram comigo ao longo dos anos é esta, de Thomas Paine em Age of Reason, parte II, seção 18 (p. 137, nesta edição):
We have not in all cases the same form, nor in any case the same matter that composed our bodies twenty or thirty years ago; and yet we are conscious of being the same persons. Even legs and arms, which make up almost half the human frame, are not necessary to the consciousness of existence. These may be lost or taken away, and the full consciousness of existence remain; and were their place supplied by wings, or other appendages, we cannot conceive that it would alter our consciousness of existence. In short, we know not how much, or rather how little, of our composition it is, and how exquisitely fine that little is, that creates in us this consciousness of existence; and all beyond that is like the pulp of a peach, distinct and separate from the vegetative speck in the kernel.

Who can say by what exceedingly fine action of fine matter it is that a thought is produced in what we call the mind? And yet that thought when produced, as I now produce the thought I am writing, is capable of becoming immortal, and is the only production of man that has that capacity.

Statues of brass or marble will perish; and statues made in imitation of them are not the same statues, nor the same workmanship, any more than the copy of a picture is the same picture. But print and reprint a thought a thousand times over, and that with materials of any kind -- carve it in wood or engrave it on stone, the thought is eternally and identically the same thought in every case. It has a capacity of unimpaired existence, unaffected by change of matter, and is essentially distinct and of a nature different from every thing else that we know or can conceive. If, then, the thing produced has in itself a capacity of being immortal, it is more than a token that the power that produced it, which is the self-same thing as consciousness of existence, can be immortal also; and that as independently of the matter it was first connected with, as the thought is of the printing or writing it first appeared in. The one idea is not more difficult to believe than the other, and we can see that one is true.
Desde que eu li esse trecho, há vários anos, ele acaba reaparecendo na minha cabeça vez ou outra.

Entrei hoje num rabbit hole de arquivismo. Comecei a ver palestras do Jason Scott, responsável pelo Textfiles.com e um dos fundadores do Archive Team, um obcecado pela preservação da memória digital.

Ao longo das últimas duas semanas, movido pelo desafio autoimposto de escrever todos os dias, descobri que ainda me importo com este blog e com as coisas que eu escrevi nos últimos, o quê?, 15 anos a esta altura? Textos antigos meus são constrangedores e, na maior parte do tempo, eu passo a odiar o que eu escrevi 2 minutos depois de apertar o botão Publish; mas eu consigo apreciar sua existência, sua importância contextual, sua relevância como pedra fundante do que eu me tornei e do que este blog se tornou.

E, afinal, como mostra Paine, há uma transcendentalidade em escrever, gerar uma ideia e passá-la para frente. E, talvez ao envelhecer, embora eu ainda esteja longe do meu primeiro enfarte (fingers crossed), eu busque essa palpabilidade. Existe algo aqui de real importância? Eu não sei e talvez nunca tenha distanciamento suficiente para descobrir -- mas é possível que sim.

Parei de dar importância para os little funny bits que eu postava aqui com o passar do tempo porque assumi responsabilidades; passei a fazer Trabalho Real Que Paga as Contas e é isso que importa, we're told. Mas passei a ver no meu day job uma transitoriedade muito maior do que naquilo que eu simplesmente faço pra jogar para o mundo (aqui), esperando quase nada de volta.

O medo da morte é o coração do capitalismo, diria Ernest Becker, e para garantir minha imortalidade, acho que chegou a hora de seguir a sugestão de Jason Scott (este texto virou uma salada de nomes, but bear with me) e arquivar. O fato de que este site ainda está hospedado no Blogger, assim como outros que compilam coisas que eu fiz ao longo dos anos, me perturba. Em um mês, o Google pode decidir que o Blogger não comanda mais o mindshare suficiente para mantê-lo em funcionamento. Ou ele pode decidir isso amanhã mesmo e eu jamais vou saber.

Por isso, decidi que vou migrar este blog (e qualquer outra coisa que eu tenha escrito) para algum lugar. Possivelmente um blog em Wordpress num servidor próprio, custeado por cash money. O poder que produz estes pensamentos pode ser eterno, só que eu preciso fazer o backup.

26 de novembro de 2018

Empathy gambles



O discurso corrente se baseia em empathy gambles -- em apostas de que as outras pessoas vão ser movidas sentimentalmente por apelos reiterados. Quero dizer que: grande parte do que se publica online presume uma extensão infinita da minha capacidade de me importar.

OK.

Neste texto, por exemplo, em que a autora conta de sua experiência sexual; diz que seu parceiro foi cuidadoso o suficiente para pedir permissão em cada etapa do processo, mas ela queria mais: ela queria que ele fosse movido menos pelo desejo de autopreservação e mais porque genuinamente se importa. Ou: ela quer uma adoção generalizada de uma ética da virtude em vez do contentamento com um consequencialismo vazio.

Suspeito, aqui, como leigo, que seja pedir demais de um one night stand.

Entro no Youtube casualmente e alguém reclama de alguma mudança na plataforma. Provavelmente porque os "criadores" (haha) vão ganhar menos dinheiro. Veja este vídeo de 23 minutos detalhando todo o sofrimento de quem publica vídeos online. Ou talvez este outro. E mais aquele, que detalha todos os esquemas sórdidos do Youtube para destruir a renda e a sanidade de sua comunidade.

Você já parou pra pensar em como o app satânico Uber está destruindo a vida de taxistas inocentes? Como eles vão alimentar as próprias famílias? Não apenas eles: turns out que os motoristas do próprio Uber são maltratados, não ganham o suficiente, trabalham longas horas.

E os músicos, que agora são obrigados a se contentar com as migalhas do Spotify? Por que o consumo de música não pode ser mais humano, feito sob uma perspectiva de cuidado com o próximo?

Para todo lugar que se olha, são expostas agruras econômicas e sofrimentos sociais que demandam nossa atenção e sua empatia deve ser estendida accordingly.

Alguns apontam para a outrage fatigue, como se seus sentimentos estivessem sendo realmente ativados a todo momento por pedidos constantes de atenção e empatia.

Mas eu não concordo, porque os empathy gambles sequer chegam ao ponto de partida: fazer com que eu me importe. Todos presumem que, se minha atenção for apropriadamente direcionada, eu vou me importar com o plight da mulher moderna, que só quer ser amada por seu Tinder hookup, ou pelos problemas econômicos inimagináveis de músicos, produtores de vídeo, motoristas de aplicativo.

Não chego ao ponto de estar fatigado do ultraje constante porque não me ultrajo; simplesmente sou uma casca inerte aos apelos do discurso online.

*

A arte, de forma geral, é um exercício de empatia.

Cérebros humanos, afinal, são incapazes de sentir tudo que os outros sentem; é ineficiente como estratégia de sobrevivência. Capazes de empatia limitada para com os mais próximos, conseguimos estendê-la através de produtos artísticos, de perspectivas retratadas em mídia. Personagens cativam por isso, porque eles conseguem nos fazer ver o mundo pelos seus olhos; não porque eles são relatable desde o princípio, mas porque as melhores obras fazem uma ponte entre duas mentes díspares. Mídias fazem seus próprios empathy plays. Mas são menos apostas: se baseiam no fato verificável de que, ao mostrar um novo universo, você vai ser capaz de se importar.

É um contraste perfeito com o discurso geral da internet, que imagina que vai conseguir wish into existence um comprometimento geral com suas pautas; com minorias, mulheres, motoristas do Uber, descamisados, Rafael Braga. Por sinal, você já pensou em contribuir para o meu Patreon?

Quem é realmente capaz de se importar?

Com exceção deste texto, todos os meus outros posts contém uma frase no meio, desconectada do tema geral, que são spoilers de alguma mídia em evidência



Spoiler alert: O texto a seguir contém spoilers de absolutamente tudo.

Normies amam plots.

Uma explicação completa para o fenômeno me escapa, mas posso esboçá-la.

Na minha cabeça, a série mais normie de todos os tempos é Prison Break. Ela tem muito plot. É sobre escapar de uma prisão, e tem um mapa elaboradíssimo em uma tatuagem, e um cara comete um crime pra ser preso e executar um plano de escape com o seu irmão. Coisas acontecem, ação ocorre, fatos se sequenciam.

A mente normie ama a proatividade do enredo em contraposição à passividade reflexiva. Em séries mainstream, nas mais bem sucedidas, há muitos fatos.

Game of Thrones. The Walking Dead. Supernatural, talvez? Todas séries em que o fator preponderante é o plot. Não personagens, temas, poética, cenário -- os fatos.

Não à toa, há um pânico moral em torno de spoilers, uma epidemia de spoiler alerts. Arte não é discutida, falada e evidenciada, mas escondida, porque seu único chamariz é a surpresa do que pode acontecer, o espanto. O tipo mais pobre de fascinação.

Imagino que parte disso tenha a ver com a pobreza de gêneros artísticos do ocidente. Como neandertais, só conhecemos drama e comédia; a riqueza, digamos, dos gêneros de anime se perde ao transicionar para os EUA (que é onde se filtra o conteúdo universal repassado para os satélites, como o Brasil).

Veja um grande fenômeno ocidental em anime: Shingeki no Kyojin. Plot-heavy drivel, é o que esse programa é. Incapaz de construir um personagem interessante, mas tanta coisa acontece, tantos fatos se encadeiam, tantas surpresas se revelam. Humanóides gigantes atacam uma cidade fortificada! Pessoas são comidas vivas por esses seres monstruosos!

Qual será o próximo choque? Quem será a próxima vítima da pena mortífera de George R.R. Martin?

As audiências mainstream vivem num relacionamento abusivo com os autores, que constantemente lhes privam das respostas basilares. São subs proibidos pelos dom authors de tocar os sensitive spots logo antes de gozar.

Algo interessante, pra mim, é que o slice of life é um gênero muito aceito no Japão, mas anátema no mainstream ocidental. Geralmente, é algo reservado a produções indie contemplativas, filmes ultra boring feitos pra meia dúzia assistir. Yet, se você for weeb, já está treinado para assistir conteúdo em que nada acontece, onde não há evolução nenhuma, em que cute girls doing cute things é perfeitamente aceitável como gênero.

E não tem spoiler possível. You can just release it now.

25 de novembro de 2018

Harry Potter é o pior shonen


Nas mãos deste homem está o nosso futuro.

Boku no Hero Academia é frequentemente lido como um dos sinais da ocidentalização do Japão. Como sói acontecer, pelos motivos errados. Razão costumeira apresentada é que BnHA apresenta uma versão dos heróis fantasiados que são comuns no ocidente desde sempre em quadrinhos e que se popularizaram com os filmes Marvel. Mas isso não é o que caracteriza sua ocidentalização.

Os japoneses estão habituados a heróis fantasiados; that's neither here nor there. O que mostra de fato a ocidentalização do Japão é o declínio do delinquente.

Figura carimbada, sempre presente e tida como herói em outras épocas, não se vê um único delinquente na série. Embora seja uma série sobre adolescentes numa escola, todos são excelentes alunos, que obedecem os professores, tiram boas notas, buscam dar o seu melhor, respeitar os mais velhos e proteger as instituições. Não há um único infeliz com um pompadour no background.

Deku, personagem principal, quebra algumas regras ocasionalmente, mas apenas porque tenta honrá-las em espírito, porque a letra da lei é demasiado rígida para combater todas as ameaças que surgem. Seu rival e bully, Bakugo, explosivo e temperamental, ocorre de ser extremamente inteligente e talentoso, e seus surtos ocorrem somente porque ele quer muito ser o melhor, vivendo de acordo com os princípios dos mestres. Ambos, ao quebrar as regras, imediatamente percebem o erro de suas ações aceitam quaisquer penalidades.

Tudo bem, essa é a série e não dá pra criticar a série porque ela não tenta ser outra coisa inteiramente diferente, mas eu realmente gostaria que tivesse um maconheiro na turma. Unzinho.

Deku e Bakugo podem continuar a competir para serem os melhores heróis; eu só queria que, por trás, tivesse alguém que fosse razoavelmente imprestável. Um grupo de misfits. Eles podem fumar um cigarro ou outro. Talvez tomar uma cerveja de vez em quando. Podem matar aula ocasionalmente. Não tem nem um gordinho que fica jogando Switch durante a aula e eu considero isso inaceitável.

Por quê? Bom, porque a escola é a ideologia dominante no ocidente, desde Harry Potter.

Como se sabe, Harry Potter é uma série de alunos que amam seus professores e entram em guerra por sua escola. Eu diria mais a respeito, mas sempre me recusei a consumir Harry Potter de qualquer maneira. O leitor astuto entende, contudo, onde quero chegar.

Nossa era é uma era de incensamento da autoridade escolar, tanto quanto os anos 80 eram obcecados por sua ilegitimidade. Temo que BnHA, sendo uma obra tão correta e a favor das instituições, seja no futuro usada para a exegese política. Consigo prever cartazes com "Republicanos são a Liga dos Vilões", "Trump é All for One". Faculdades que hoje se descrevem ridiculamente como "Hogwartsesque", vão exaltar suas similaridades à UA.

Felizmente, nós temos o Mineta. Só ele pode evitar essa distopia. God bless that kid.

24 de novembro de 2018

Identity as a failure of imagination



Identidade se refere sempre a características imanentes, persistentes no tempo. Daí se segue que um foco na identidade leva a uma obsessão pela self-actualization (autorrealização) -- pela exploração das suas potencialidades como ditadas pelo seu perfil, pela sua identidade.

Self-actualization é uma busca narcisista e, francamente, enfadonha. Obssessiva com o que é, desinteressada no que pode ser. O reino da possibilidade vive num cercadinho ditado pela política da identidade.

Em Egalitarianism as a Revolt Against Nature, Murray Rothbard buscava encontrar um argumento mais forte contra o igualitarismo social e econômico além de seus efeitos deletérios, e pretendia encontrar um fundamento antinatural na igualdade.

Claro que o argumento é irrelevante se você simplesmente admite: sim, estou me rebelando contra a natureza. Foda-se a natureza. O que a natureza já fez por mim? Fidelidade se conquista e se a natureza quer a minha, vai ter que trabalhar um pouquinho mais.

Pessoas constroem essas histórias sobre si mesmas. Sobre como sua vida levou inevitavelmente ao momento atual. Sobre como sua personalidade é inexoravelmente ligada a certas características. Como qualquer mudança está subordinada ao ditado pela sua identidade.

Cercas mentais, all of them.

É 2018. Em seis meses, mais ou menos, seremos capaz de abandonar nossos corpos e subir nossa consciência para o hivemind, destruindo a limitação natural da empatia humana. Onde vai ficar sua identidade?

23 de novembro de 2018

On relatability



(Até este exato momento, eu nunca tinha pensado em como falar relatability em português. Relacionabilidade? Relatabilidade? Suspeito que ninguém jamais vá descobrir.)

Assistia à segunda temporada de Iron Fist, série horrorosa da Marvel, enquanto preparava a janta e lavava louça. Coloquei o iPad apoiado no peitoril da basculante, diretamente à minha frente; única situação em que eu posso me forçar a assistir a série.

Frequentemente, sou parado na rua por pessoas, centenas delas, que me interrogam se eu sou o mesmo Erick "daquele blog". Respondo que sim, sou eu mesmo; apesar de toda a fama que alcancei com o sucesso explosivo do Manipulação, continuo a mesma pessoa afável, approachable, gente como você, pé no chão.

Como qualquer membro do hoi polloi, sou apenas um sujeito comum, que assiste a séries terríveis enquanto esguicha detergente em panelas.

*

Na segunda temporada de Iron Fist, Danny Rand perde seus poderes. É um daqueles plots merdaços sobre como seu heroísmo não era definido por suas habilidades sobre-humanas, mas sim por sua índole, correção de caráter e pelo que ele carrega no coração. Terreno batido, esse tipo de história tenta sempre conectar o expectador ao personagem, torná-lo relatable, gente como a gente, mostrando que todos podemos ser heróis, mesmo sem poderes conquistados numa luta contra um dragão numa cidade transdimensional.

É um rito de passagem de todos os heróis -- cada um deles têm sua história de depowering, para destacar seus atributos relacionáveis ao expectador-leitor-consumidor.

*

No ano do senhor 2018, toda a relação com mídias se reduziu à relatability, porque a existência humana foi reduzida à identidade; identidade que se compreende como a laundry list de atributos que importam para a esquerda: raça + gênero. Ocasionalmente, se inclui religião no bolo, se não forem as religiões mainstream ocidentais, e às vezes classe, embora esta seja mais murky em produções milionárias de TV e cinema.

A redução da experiência humana à identidade tem diversos benefícios. For one, é um gerador de ultraje perfeito, que funciona como um reloginho. A cada novo piece of media, nós podemos contar os segundos até o listicle ou, ainda melhor, vídeo do Youtube, catalogando suas falhas de conformidade com a Ortodoxia. Como acessório, temos ainda os veículos de mídia neutros que precisam gerar conteúdo e buscam palavras-chave de revolta no Twitter para povoar seus artigos.

Outra vantagem é que o identitarismo, ainda, é uma forma cognitivamente simples de ver o mundo; quanto brainpower não se economiza se seu único vetor de interpretação é sua experiência imediata? Se a arte, afinal, não representa sua experiência imediata -- sua identidade -- isso só pode ser sinal de que é lixo, vergonhosa, míope e muito provavelmente não passa no Bechdel Test.

*

A identidade, forma ascendida do patriotismo, é o real último refúgio dos canalhas.

Quando o xenofeminismo declarava, anos atrás, o direito de falar como ninguém em particular, sem um asqueroso lugar de fala, sua presciência me escapava. Agora, me sinto catolicamente culpado pelo mundo atolado em/encharcado de identidade. Contribuí para esse estado de coisas. Fiz campanha pela importância das identidades (assim mesmo, no plural até).

Como um ex-vegano possuído pelo ódio contra quem já fui, sou a favor da destruição completa da identidade.

*

Ao perceber o problema com a identidade -- não só sua versão atual (gênero + raça, yadda yadda), mas toda a identidade -- e se sentir tentado a defender sua abolição, imediatamente uma pessoa pequena qualquer vai aparecer, saída de um arbusto, ou de trás de um poste, para colocar o dedo na sua cara, o acusando de ser branco, ou rico, ou qualquer oposto das identidades pré-aprovadas pela burocracia acadêmica.

Pode até ser verdade, mas eu noto que brancos em geral têm se aprazido em se identificar como brancos recentemente, invocando suas identidades históricas falidas pra entrar na sempre importante Guerra Cultural travada no Debate Público. Então foda-se.

*

Entendo que os roteiristas de Iron Fist não sabiam o que fazer com ele depois do fracasso completo da primeira temporada; dentro dos parâmetros ridículos de sucesso das mídias atuais, Danny Rand só podia ser tornado relatable, approachable. Um bilionário gente como a gente, que esguicha detergente em panelas sujas todos os dias.

Relatability é um câncer -- suga todo o senso de encanto, perplexidade, fascinação, admiração ou surpresa da arte. Instead, ela retorna ao denominador comum mais banal: o que é você?

21 de novembro de 2018

I'll take your shitty moral priorities... and eat them



A provisão de que o dono do Death Note precisa conhecer os rostos das vítimas soa como uma concessão forasteira às demais regras estabelecidas no caderno, tentativa que resvala no desespero para evitar plot holes. Death Note, o mangá, é escrito como se seu plot fosse o desenrolar natural de umas peças no tabuleiro; o cenário inicial, do gênio que se apropria do caderno mágico, é um gentil toque que coloca em movimento toda a série de episódios, delimitadas somente pelas regras duras da contracapa do Death Note, o objeto.

Astutamente, como um stand-up comedian levantando as questões que a sociedade cala, noto que são regras delimitadas pela subjetividade humana, pela maleabilidade da memória. E se eu sou ruim com rostos? Too bad, o Death Note é inútil. Pobre coitado do cego que se apossar do Death Note, jamais poderia aproveitar seus miraculosos poderes; mesmo eu, com meus 3 graus de astigmatismo em cada olho, diuturnamente saturados pelas refresh rates de monitores, talvez não fosse capaz de formar uma imagem mental suficiente para ativar minha killing spree. Tivesse o anime sido lançado em 2018, alguns diriam que o caderno é capacitista.

Eu preferiria, porém, que Tsugumi Ohba não tivesse lançado mão desses meios-termos ridículos, provas de sua fraqueza espiritual como escritor. Um caderno que matasse quem tivesse seu nome escrito, não importa quem, essa é uma premissa que eu apoio. Imagine que Light Yagami, ao se apossar do caderno, decida escrever "José Silva" -- assim mesmo, em caracteres romanos mesmo, sem kanji bullshit pra individualizar. Quantos milhões seriam mortos imediatamente? Será que o impacto seria positivo? É uma questão a se ponderar; vai saber. Imagine, até, que o caderno não aceite nomes compostos e mate todos aqueles que têm José e Silva no nome. Estamos entrando em território calamitoso, mas é esse tipo de exploração corajosa que eu espero da minha ficção.

Talvez o dono do caderno decida que heavy casualties são moralmente asquerosas ou, em cálculo utilitário, assuma que causam uma perda social de bem estar muito grande; tudo bem, ele pode selecionar um nome menos popular pra tratorar. Quem sabe "Onyx"? Eu não conheço nenhum Onyx senão aquele cara lá da equipe do Bolsonaro. Quantos Onyxes morreriam? Seu desaparecimento seria positivo? Chuto que sim. Provavelmente eu escreveria "Onyx" sem arrependimento num Death Note sem requerimentos ridículos de memorização facial.

Afinal, o Death Note tem um número limitado de páginas, o que torna premente a maximização do impacto dos poderes do caderno antes que o espaço para os nomes acabe. Nós testemunhamos, ao longo da série, os terríveis crimes contra a formatação das páginas que foram cometidos em nome da inserção de mais nomes. Eu não sou assim; se eu achasse um Death Note, gostaria de mantê-lo pristine, com organização adequada, o mais próximo possível de mint condition.

Alternativamente, o caderno poderia funcionar com stickers dos rostos das futuras vítimas, eliminando a necessidade de nomes. Borbulho com ideias aqui -- tudo em nome da simplificação do ruleset deselegante do caderno.

Through and through, Death Note é uma série extremamente japonesa + selvagemente adolescente, o que explica por que um prodígio como Light, que toma posse de poderes god-like, decide matar ladrões de galinha, assaltantes de loja de conveniência, batedores de carteira. Ele podia ter virado as estruturas de poder de cabeça pra baixo, submetido a ONU, destruído as forças militares do mundo inteiro. Poderia ter entrado na internet e começado a guardar imagens de todas as lideranças políticas e econômicas do planeta para fins de chantagem e para referência imagética em caso de não-atendimento das demandas. No entanto, ele prefere matar criminosos que literalmente apareceram na TV. O Japão sequer tem crime.

Até alguns anos atrás, uma plot contrivance específica da série me incomodava bastante: se passam 4 anos desde a morte do L, mas o conhecimento da necessidade de nome e rosto para os Kira murders aparentemente não se dissemina pelo mundo. Por que a população inteira não passou a usar máscaras, capacetes, bigodes postiços? Ninguém sabe, embora, pra ser sinceraço aqui, isso não mais me perturba tanto. O que não me desce mesmo é o fato de que, adulto feito, o gênio Light continua com a ideologia pobrinha que ele tinha com 17 anos, matando uns criminosos pé rapados que ele viu no Datena.

20 de novembro de 2018

Never pay your dues



Aconteceu: 242 pessoas entraram neste blog hoje. Em geral, não presto atenção para esse tipo de estatística; este blog vive abandonado há 10 anos, testemunha ocasional de um arroubo de semicriatividade. Duzentas e quarenta e duas pessoas não é um número impressionante -- é baixo, em termos de internet, irrisório. Mas digno de nota, porque eu não imaginava que entraria tanta gente. Chutava cerca de 30 pessoas, todas caídas por alguma busca irrelevante do Google; 50% seriam frustrados com a cartomante de quem eu escrevi em 2011.

Por anos, fui fascinado com a ideia de pay your dues: o sucesso não é automático e claramente é necessário agonizar por anos no anonimato, não só para construir sua reputação, mas também para encontrar sua voz, sua identidade criativa. É uma forma bonita, clean, de colocar o desenvolvimento criativo, profissional, whatever. Americanos, sinto eu, são intuitivamente capazes de construir sistemas simplificados para qualquer empreitada.

Imagino que essa ideia tenha algo a ver com a fascinação natural que eles (os americajin) têm pela ideia de identidade. Meu trabalho, como manifestação da minha vocação, é parte fundante da minha identidade. As such, eu preciso me encontrar, encontrar meu estilo, antes que eu possa encontrar o sucesso, que é inextricável da minha essência. It fits so neatly, eu sinto que poderia ouvido falar disso num dos vlogs inspiradores do John Green.

Claro, a ideia é perfeitamente falsa. O sucesso é caótico. Ele ocorre -- ou most likely não ocorre -- por motivos aleatórios fora do seu controle. Os criativos da internet atual, aqueles que conseguiram explorar ao máximo os formatos dominantes (streams do Twitch, vídeos do Youtube) contam suas jornadas ao estrelato e elas se tornam gospel. São todas narrativas, stories, com causas delimitadas, definidas pela volição humana. Como Luciano Huck contando a história de Whindersson Nunes, que se alçou da pobreza através de seu sheer power of will.

Aos 31 anos, minhas sensibilidades estéticas já estão mais bem formadas, meu humor estabelecido, minha escrita tem algo que se assemelha a um estilo. Talvez esses fossem os dues que eu tivesse que pagar antes do meu inevitável sucesso, mas duvido. Não acho que minha escrita daqui, nestes termos jamais vá ter amplo apelo. Cumprindo o desafio de escrever todos os dias, porém, percebo que é algo que me dá prazer. Outra coisa que me dá prazer é saber que pessoas entraram aqui diretamente, se interessaram o suficiente em clicar num link que não foi servido pelo algoritmo, com um título previamente mastigado que sumariza todo o conteúdo do texto.

Se eu pudesse assessorar Yang Wen-li no debate com Reinhard von Lohengramm, este seria meu argumento



Legend of the Galactic Heroes (Ginga Eiyuu Densetsu, para os familiares), possivelmente o melhor anime já feito baseada numa incrível série de livros que eu não li, retrata um conflito entre duas pólis (póles?) interestelares. O Império é uma coleção de planetas pouco povoados, semifeudais, governados por elites vassalas com sensibilidades germânicas; a Aliança é uma república metropolitana democrática, comparativamente menor em extensão e em número de planetas, mas aparentemente mais densa. Quando passamos a acompanhar a série, o Império tem uma população de cerca de 25 bilhões de pessoas, enquanto a Aliança conta cerca de 15 bilhões de cidadãos.

As quarenta bilhões de cabeças, na verdade, são um agudo declínio desde o apogeu da espécie humana sob o Império, que unificava 120 bilhões de habitantes sob um só estado, espalhados em, presumivelmente, centenas de planetas. Difícil imaginar algo de maior escopo, números tão colossais, distâncias tão abissalmente grandes. LoGH é hard scifi; seu conceit é transplantar conflitos tipicamente terrenos para um plano cósmico. Existe um problema básico com esse approach.

* * *

Statelessness é anátema ao estado-nação moderno. Um estado é limitado apenas, tautologicamente, pelos próprios limites, que são dados por outro estado, que funciona como espelho na fronteira. Não há uma área ajurisdicional, porque essas áreas se tornam automaticamente tributárias ao estado mais próximo (a contiguidade também é muito cara para a aceitação cognitiva do estado moderno).

Se você olhar para um mapa político da Antiguidade, provavelmente vai notar que os estados simplesmente cessam, mesmo sem um limite físico aparente, e sem a força de outro estado para empurrá-lo de volta. Parte disso tem a ver, obviamente, com a geografia física: controle efetivo é necessário para a existência da jurisdição. Se seu reino é tecnologicamente incapaz de cruzar (ou se estiver desinclinado a custear uma jornada para cruzar) as cadeias montanhosas do Cáucaso, é até ali que seu poder político vai.

E o poder político periférico simplesmente breaks down. Um líder político só consegue permanecer no topo através de uma partilha efetiva do poder e dos espólios; e a unidade estatal permanece enquanto houver um sistema de vassalagem vantajoso. Próximo aos centros de poder, esse arranjo normalmente permanece, mas quanto mais um estado se expande, mais se torna óbvio para os vassalos distantes que eles não precisam compartilhar nenhum poder, nenhum espólio com a metrópole. Se os romanos enfatizavam a construção de estradas para facilitar o acesso da metrópole às colônias, era porque reconheciam esse fato fundamental.

Percebo que a grande vitória do estado moderno tenha sido estabelecer sistemas duradouros de partilha de poder, evitando a trituração dos estados em milhares de polities.

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Um mapa político moderno é propaganda, porque não estipula os limites reais do estado; ele aceita claims de jurisdição westphalianos que são prima facie falsos. Se o estado brasileiro alega ter jurisdição sobre toda a área do Rio de Janeiro, essa é uma óbvia mentira. O Rio de Janeiro é particionado entre os níveis oficiais do estado (governos municipal, estadual, federal) e forças informais (notoriamente os vários grupos de traficantes e as milícias). Ocasionalmente o estado tenta invadir os territórios de forças concorrentes, mas geralmente falha por uma combinação de problemas tecnológicos, culturais e geográficos. Como um oceano ou uma cordilheira são um limite físico duro ao poder estatal, um settlement numa montanha de pedra no meio da cidade também é.

James C. Scott, que eu mencionei ali embaixo noutro post, talvez se sentisse à vontade para observar que o estado brasileiro só se afirma no asfalto -- nas áreas planas. As áreas planas são as áreas de legibilidade; suas vias se dispõem da forma que o estado compreende. Sua produção econômica é grande o suficiente e visível o bastante para ser acessível ao estado. A vida da favela não segue o fluxo racional da burocracia.

Ou seja, no Rio de Janeiro, como no Brasil de forma geral, o estado moderno falhou porque seus mecanismos de vassalagem falharam. A centralização política não foi capaz de partilhar um poder de forma a manter a unidade.

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O que me joga de volta ao começo: dois monolitos estatais interestelares desafiam a suspensão de descrença. Mesmo com faster than light travel, os mecanismos de controle político se quebram naturalmente. Em estados compostos por dezenas de planetas povoados, a simples distância, o mero drift cultural pulveriza o controle político. No começo de LoGH, ocorre inclusive uma rebelião dentro do Império: uma das colônias tenta declarar independência, mas é rapidamente subjugada. Claro, o governo central certamente é mais forte que uma simples colônia, mas no mundo real não é essa a questão que se coloca. Ninguém nega que o governo brasileiro seja mais forte militarmente que gangues de traficantes, and yet elas mantêm o controle de grandes nacos do Rio.

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LoGH, de forma interessante, quaint, traz uma visão clássica do que significa a guerra: uma briga irrelevante entre elites. Ao longo da série, o povo, principalmente no Império, se mostra apático a quem toma o poder. Mesmo a população na Aliança, mais tarde, pouco reage a uma mudança de governo. De fato, com 15 bilhões de habitantes, one wonders qual a representatividade possível de um sistema político unificado nessa escala.

E se o estado não se pulveriza é porque, no longínquo futuro, a humanidade pode ter adquirido nível suficiente de esclarecimento para perceber que o governo, francamente, não importa.

19 de novembro de 2018

Ao ler este texto, você me transfere dinheiro em proporção direta à atividade captada nos seus neurônios



Entro em uma loja, espero ser atacado por tentáculos que se fixam no meu crânio. Com um só movimento, eles inserem suas agulhas em meu cérebro, eletrodos para deep brain scans, se alojam nos slots que foram cirurgicamente implantados em minha cabeça. Olho um produto e, antes mesmo que eu me dê conta, meu dinheiro já foi sacado e prontamente colocado à disposição do empresário. Com uma descarga elétrica dissonante do meu cérebro, a loja leu meus desejos e percebeu que eu gostaria de comprar seus produtos & serviços. Concomitantemente, meu dinheiro é automaticamente baixado de minha carteira na blockchain e adicionado aos fundos da empresa.

A Comunidade Humana juntou suas melhores mentes e decidiu que o problema mais premente, a questão mais urgente, a dor social mais latejante que se deve solucionar é a falta de meios de pagamento africcionais. Apple Pay, Google Pay, Samsung Pay não passam de concessões, etapas intermediárias no desenvolvimento dos modos de pagamento. Como podemos ficar satisfeitos com essas soluções? -- pergunto eu. Não podemos.

Precisamos de uma utopia quando se trata de pagar contas. Por meio desta correspondência, jogo meu chapéu no ringue das propostas de payment apps que olhem para o futuro, livres do peso do que veio antes. O estado da arte dita que abandonemos nossos cartões plásticos ativados via PIN e adotemos a confirmação dos pagamentos via smartphone; trata-se de uma evolução farsesca que não chega ao core do que significa querer dar dinheiro muito mais rápido para uma empresa.

Penso em algo melhor. Uma proposta future-proof. Ao sair do útero, o bebê deve ser sujeitado a uma leitura preditiva de suas ondas mentais. Seu perfil cerebral, ato contínuo, é enviado à nuvem, onde será analisado e serão determinados seus desenvolvimentos, desejos e demandas futuras. O Sistema cruza as referências da rede neural com dados passados, de imediato cobra o crédito de todo o consumo que será performado pelo humano em toda a sua vida. O nascituro nasce em dívida e paulatinamente quita sua dívida, conectada a seu DNA, ao longo de sua existência.

Numa só tacada, removemos toda a ineficiência de fazer pagamentos através de milhões de iterações ao longo de nosso lifespan. A humanidade, finalmente, poderá se concentrar nas atividades pilares do ordenamento da rotina: trabalho e consumo. Simultaneamente, ninguém mais receberá salários, porque seus rendimentos são automaticamente utilizados para amortizar a dívida contraída no momento do nascimento; e, ao consumir, não é necessário executar o stopgap de um ritual de pagamento.

Machine learning ainda garante que, com o conhecimento dos desejos mais íntimos do ser humano, a classe capitalista seja finalmente empoderada para atender todas as nossas necessidades no momento em que sejam apresentadas. Nunca mais teríamos que nos deparar com a frustração da inexistência de um produto numa prateleira -- qualquer bem já terá sido produzido e enviado para sua residência no momento a manifestação de sua demanda, como predita pelo algoritmo.

17 de novembro de 2018

Eu não quero pagar por nada, eu só quero um jeito de baixar um Whopper via torrent



Speed Talker Mark Zuckerberg, o do filme, não o real, o que é interpretado por aquele moleque de queixo fino cujo nome eu esqueço, disse, em uma das mais memoráveis citações de The Social Network, que os sujeitos que o interpelavam na ação judicial não faziam ideia do nível de trabalho avançado que ele estava desenvolvendo e ao qual ele poderia estar se aplicando, se não estivesse sendo injustamente detido em processos frívolos. Pelo menos eu acho que foi assim, nem vou olhar no IMDb. Me parece uma pretensão comum de tech workers, de que o trabalho que desenvolvem é tão elevado, quando as features avançadas que estão sendo adicionadas à experiência humana são a habilidade de selecionar entre cinco tipos de reações a uma mensagem em vez de apenas o like.

Empresas de tecnologia também parecem hellbent em me oferecer novas formas de pagamento para as coisas. Atualizo meu celular, a contragosto, e a Samsung recoloca o Samsung Pay escondido na parte inferior da tela. Se eu havia optado por desativar o Samsung Pay antes da atualização, ele retorna como uma fênix para saber se eu mudei de ideia. Ainda não aceita nenhum dos meus cartões.

O mercado de soluções de pagamento via celular me faz sentir desconectado da experiência dos fellow humans, espécie da qual eu faço parte, sem nenhuma dúvida. Prometem uma experiência mais rápida, fácil, sem esforço na hora de pagar, mas eu nunca fiquei acordado à noite pensando em como poderiam ser otimizados os passos envolvidos em dar dinheiro pra um comerciante. O processo de colocar um cartão numa máquina e digitar um código de 4 números deveria ser suficientemente simples, mas claramente apenas tolos pensam dessa forma. Em realidade, se trata de mais uma atividade que eu aceito impensadamente, que tem muito a ser polida e um longo caminho para se tornar perfeitamente africcional.

Quanto tempo tempo combinado, em man-hours, nós coletivamente gastamos fazendo pagamentos, laboriosamente digitando 4 números de um PIN repetidamente, por dias, anos e, agora, décadas. O salto tecnológico que poderiamos ter dado (medido em features adicionadas ao Facebook) se não fosse essa ineficiência fundamental; choro de pensar na tragédia.

16 de novembro de 2018

Rascunho de um ensaio sobre a distribuição de poder



James C. Scott observa, em The Art of Not Being Governed, que a territorialidade dos estados do sudeste asiático no período pré-moderno podia ser visualizada como uma série de círculos em volta das capitais dos reinos, que buscavam perpetuamente expandir sua influência e, frequentemente, chegavam ao domínio reclamado de outro reino. O mapa da região, assim, seria um diagrama de Venn de jurisdições concorrentes, que variam no tempo de acordo com a capacidade extrativa de um estado.

Num território acidentado como do Sudeste Asiático, um período de monções podia tornar simplesmente inviável o exercício do state-making numa região "pertencente" ao reino: coletores de impostos simplesmente não conseguem extrair o excedente para a capital.

Scott é cuidadoso em delimitar suas observações ao passado; para ele, o estado-nação centralizado moderno certamente é capaz de controlar todo o território que é definido numa cor uniforme num mapa mundi. Mas eu não sou um scholar, não tenho nenhum cuidado. De fato, o mapa mundi moderno é uma fraude.

Isso é trivial quando pensamos nas dezenas (centenas? milhares?) de disputas territoriais no mundo que são planificadas sob uma cor só nos mapas aprovados. Obviamente Taiwan não é China. Mapas são, também, propaganda. Talvez sejam primariamente propaganda.

Isso me faz pensar na uniformidade com que se trata o Brasil -- principalmente pelo fato de que, pelo menos nos últimos 100 anos, não há qualquer esforço separatista real. No entanto, o estado brasileiro é fragmentado.

Estados são sempre exercícios no estabelecimento de vassalagens. Os países desenvolvidos aparentemente foram capazes de estabelecer sistemas de vassalagem sofisticados, em que as periferias estão plenamente integradas ao poder central. Países como o Brasil não conseguem fazer o mesmo. Os sistemas de power stacking dentro do estado ainda são primitivos.

Acabo de notar que este texto vai ter uns 40 parágrafos, então retorno ao assunto amanhã. Vou desenhar uma linha de coerência entre os temas de que quero tratar.

15 de novembro de 2018

Pitch de cenário para algum livro, se você quiser escrever (royalty-free)



Tenho uma ideia para algo de ficção, que provavelmente serviria para algum tipo de novel que eu provavelmente nunca vou escrever, quem sabe um conto ou algo um pouco mais mais curto; certamente não um desses blog posts que eu excreto em 3 parágrafos. Might as well throw it in here. Quem sabe até o final do mês eu não reviva a ideia porque tenho que cumprir a promessa do texto diário. Mas não sei o que fazer com ela no momento.

Tem um conceito interessante que foi introduzido com as Silver Age comics da DC de que os heróis da Golden Age não só viviam numa realidade paralela (Earth Two), mas suas histórias eram contadas em revistas do mundo dos heróis da Earth One. Conceito fascinante, IMO envelheceu muito bem -- as HQs são basicamente uma janela interdimensional, um BBB multiversal. As revistinhas são o pay-per-view que te oferece os snapshots de outros universos. Great shit.

Pensei num setting ficcional que usasse esse conceito: de que toda a nossa ficção é uma janela para uma realidade paralela; só que eu poderia jurar que isso já foi feito elsewhere, embora eu não saiba onde, e francamente não tenha procurado com muita força -- se você souber quem já foi ousado o suficiente para escrever sobre, me avise.

Só que, conquanto a ideia me pareça suficientemente interessante em si, ela também tem um fator passé que eu não consigo explicar, parece terreno batido, um clichê, muito apesar de eu não conhecer histórias assim. Talvez seja uma overdose minha de histórias sobre multiverso, who the fuck knows.

De qualquer forma, o plano não apenas estabelecer que qualquer obra é uma janela multiversal como os quadrinhos dentro das Silver Age comics, mas também estipular que as menções aos personagens ficcionais da obra sejam pesados na representação desse mundo paralelo.

Veja: existe algo fundamentalmente errado, eu diria, com a ideia de que você pula para outro universo e ele é basicamente igual ao nosso, mas tem uns personagens fictícios walking around -- contando obviamente que o cenário seja um quase-espelho do nosso mundo com algumas diferenças minoritárias em termos de tecnologia.

Porque, claro, você pode pular num livro da Agatha Christie hoje, mas a não ser pelo fato de que histórias aconteceram, nada estaria diferente na sua vida. Você ainda estaria no Rio de Janeiro, talvez tivesse que acordar cedo pra pegar o BRT. Possível que o RioCard ainda funcionasse no mundo paralelo.

Não: se você pula num livro da Agatha Christie, todo mundo tem que ser obcecado por Hercule Poirot. Você passeia pela rua e todas as pessoas ao redor parecem estar obcecadas com o bigode do sujeito. Especulam sobre vários assassinatos, de Roger Ackroyd, no Expresso Oriente, sobre uma morte no Nilo.

Como aquele GIF que mostra a Terra de acordo com a força dos campos gravitacionais em cada região, o mindshare dos mundos paralelos deveria ser dominado pelos personagens que são de fato abordados naquele universo dentro dos livros.

Se outras dimensões têm uma cultura inteiramente shaped pela ficção em que esses mundos foram introduzidos, interdimensional travel vale a pena. Da mesma forma, se você cai numa Terra em que as Tartarugas Ninja existem, mesmo que esteja em fucking Duque de Caxias, todas as conversas deverão estranhamente arremeter de volta ao assunto "mutantes em Nova York". Porque se nós lemos sobre algum personagem em algum lugar, é de fato por que aquele era o fato mais importante ever going on in the world, e a cultura daquele planeta reflete esse fator.

Conceito divertido, me parece.

Porque pra estar num universo em que qualquer história ou personagem é irrelevante, é só voltar pro mundo real.

14 de novembro de 2018

Achou que eu não conseguiria postar no dia 14, interlocutor imaginário suspeitamente standoffish? Achou errado. Contra tudo e contra todos, jogo mais esta pérola aos porcos



Os poucos infelizes que ainda se aventuram a entrar neste blog, ou caem por aqui por alguma Google malfunction, já que eu caguei pra SEO, certamente ainda não se irritaram com meu snark a respeito do discurso prevalente em social media. Me ocorre, portanto, falar mais uma vez de social media.

Num chute selvagem, violento e um tanto deselegante, eu diria que 90% do discurso político é simplesmente a afirmação de que existem pessoas com uma worldview discordante. Com 15 anos de redes sociais nas costas, a humanidade ainda se surpreende com a variedade da Opinião Humana. E, com essa diversidade assombrosa, aparentemente basta mencionar que existem pessoas que pensam de um jeito para escandalizar a audiência.

Quer dizer -- e agora vou ser nojentamente wishy-washy, but bear with me -- desses 90%, provavelmente uma metadinha deve ser gente reclamando que os jornalistas têm alguma opinião. Choro perpétuo nos extremos da parte horizontal do eixo político, ainda surpreende tanto incautos como veteranos que jornalistas possam ser de esquerda, ou direita, ou mesmo que tenham posições inconsistentes de direita ou esquerda.

Que a esquerda sempre ficou sendo a fucking baby about, there's no question; mas a direita se apropriou da técnica, assim como da maior parte do guidebook da esquerda, a bem da verdade. Oh, não, esse jornalista não coaduna suficientemente das minhas visões lixo, ele abordou a questão a partir de sua própria ideologia, poor me.

Anos atrás, Deirdre McCloskey fazia propaganda de seu livro Bourgeois Virtues em uma palestra qualquer, não lembro direito, mas aí começava a falar que o discurso humano geral é plenamente autorreferencial, we talk about talk. Minha mente juvenil de, até onde eu posso conceber, 5 anos atrás, achou aquilo uma ofensa. Falar sobre fala? Sobre discurso? Sem referência ao real, ao palpável, ao sólido, ao universo que existe lá fora, em sua concretude absoluta? Preposterous. Retrospectivamente, eu era apenas uma criança dominada por devaneios randianos.

Era incrível que alguém formado em comunicação e obrigado a ler Análise do Discurso por anos pudesse ficar tão pessoalmente ultrajado com aquilo, e de fato ela se mostrou certa & presciente. Nada mais importa a não ser a hermenêutica mais basal, mais pobre e subterrânea, a releitura infinita da leitura do jornalista sobre um fato, que provavelmente foi wished into existence pela fala de outra nulidade (o presidente).

Por muitos anos, me recusei a escrever como neste texto, nessas generalidades. Percebam que eu falei de opiniões gerais, não citei ninguém, tentei evocar uma observação subconsciente no leitor. Se você já não havia observado tudo que eu descrevi aqui, todas as linhas deste texto não passam de puro nonsense.

É o que eu chamo de Artifício Social Media, em que se fala de algo que é apenas apreendido perifericamente por um interlocutor imaginário. Sob o Artifício Social Media, todos estão falando sobre o mesmo assunto a todo momento, sem parar, compartilhando do mesmo terreno de batalha necessariamente.

It doesn't stop there: nenhuma das opiniões que flutuam em social media jamais foram held por alguém de carne e osso. As respostas apenas boiam no éter para serem rebatidas. A esquerda acha X e o oposto de X ao mesmo tempo! Gotcha! A direita pensa Y e no entanto executa não-Y on a regular basis!

É um soco no estômago depois do outro em opiniões políticas distintas provavelmente sustentadas por humanos diferentes em diferentes pontos do tempo, mas que foram aglomeradas sob o mesmo guarda-chuva de Opinião do Grupo.

Agora entendo por que escrevem assim. The righteousness high is better than sex.

13 de novembro de 2018

Infinite jest



Há quantos anos a internet se tornou infinite scrolling? 10? 15? Se antes eu tinha que batalhar pelos pequenos esguichos de dopamina, clicar links, talvez até parar para pensar no que seria interessante, os sites -- by which I mean os cinco sites da internet que ainda existem e são utilizados -- já foram convertidos em perfectly oiled scrolling machines.

Neste mês, fantasiei que meu cérebro havia deixado de metabolizar, produzir, processar, seja qual for o verbo relativo a, dopamina. O rolamento vertical finalmente perdera o efeito.

Como um bodybuilder incapaz de produzir testosterona depois de anos de ciclagem, eu me tornei incapaz de derivar prazer do simples ato de scroll, o qual havia substituído hábitos mais trabalhosos, como o ofício criativo de escrever, ou consumir long form content. Meu enjoyment foi desconectado inteiramente do bite-sized content redirecionado em social media e havia, até mesmo, infectado o que eu sentia em relação a mídia de forma mais geral.

Viciado, abatido, continuei a procurar um alento nos conteúdos reempacotados do Facebook, Youtube, com suas linguagens homogeneizadas, sem sucesso. Nenhum post standoffish direcionado a ninguém em particular, mas a toda uma massa de leitores anônimos, podia me salvar. Nenhum vídeo com mais de uma palavra capitalizada no título teria efeito.

A complacência matou a internet, e eu tive que parar de scroll e clicar no botão Next.

As good a day as any



Comprei um teclado mecânico, gamer, com LEDs sob as teclas, porque precisava de uma mudança apreciável no meu statu quo de escrita. Digito estas palavras após setar um perfil de iluminação no software oficial de controle. A cada letra que eu bato, acompanhada por um satisfatório click, uma onda de luz vermelha reverbera em um círculo que se abre, como as ondas de uma pedra que quica na superfície da água.

Sou um maestro, digito e meus dedos causam ondas, externalidades no universo, é como se, enquanto autor, eu agora estivesse em contato com o próprio tecido universal. A cada datilografada, eu formato a estrutura da Criação itself.

Não poderia estar mais feliz com minha compra. Perceba a viagem que meus dedos fazem antes de tocar o fundo do teclado. Ao me expressar pelo computador, tenho uma experiência táctil superior, um banho de ergonomia que se impõe pela minha mão, domina meus braços, faz um shibari em meu tronco, antes de me libertar para experienciar a vida doutra forma, mais livre, mais gentil, mais ortopedicamente adequada.

Porém, entro em fóruns. Meu teclado usa microswitches Cherry MX Red, o que significa que sua ativação ocorre com uma compressão de 1,2 mm. Se eu tivesse, com este conhecimento, comprado um teclado com microswitches de variedade Cherry MX Brown, sua ativação seria em 2 mm completos. O teclado talvez não tivesse sensibilidade tão grande. Possivelmente, tenho uma experiência inferior à ótima.

Estou de volta à hedonic treadmill.

Não foram sequer 3 horas e já retornei a meu starting point. Perdi o acesso a insights elevados. Digito e o click das teclas sequer me parece diferenciado. Poderia estar usando um qualquer teclado com tapete de silicone, quase um botox em forma de periférico, que não veria diferença.

Mas agora vou escrever. A partir de hoje vou escrever todos os dias, por um mês, já que tenho 31 anos e esse tipo de promessa é a única coisa que ainda pode me motivar. Ao fim deste mês, terei postado neste site mais do que nos últimos 5 anos combinados, o que me faz rir uma risada que só poderia ser descrita com a palavra chortle. Might as well start on a Tuesday.