2 de dezembro de 2004

Fome

Vejo várias pessoas ouvindo barulhos de coisas caindo nas suas cozinhas e ficando com medo. Invejo-as. Na minha cozinha não há o que cair e fazer barulho. Nem comida. O Fome Zero não atingiu minha residência.

Devido à falta de alimento em minha casa, procurei um número qualquer de fast-food, pizzaria, restaurante chinês, floricultura ou borracharia. Não encontrei nada. Cheguei, então, à conclusão de que essas coisas não mais existem e que eu terei que ficar aqui, parado, faminto.

Ah, é claro que chegar a conclusão de que as floriculturas desapareceram da face da Terra foi algo aterrorizante. Agora vou ter que comer flores de plástico.

Ao contrário da minha cozinha, meu quarto é um local cheio de coisas. Na verdade, é cheio de fios espalhados pelo chão. Se eu me mover um milimetro, pá!, morro eletrocutado. Infelizmente, fios não são comestíveis.

Mas isso não era o que eu pensava quando era criança. Comi muitos fios na infância. O cobre tinha um gosto agradável. Sério mesmo. Depois me ensinaram que metais não são digeríveis. E na oitava série, meu professor de Química disse que a sigla do cobre é Cu. Eu falava sem hesitar "Hoje, comi um Cu". "De quem?", perguntavam meus amiguinhos. "Da Geladeira", eu falava. "Nome estranho o dela, hein?", diziam. "É de origem austríaca."

***

Descobri que tenho fama de mau. Não sei o motivo. Sou uma pessoa tão afável. Quem me conhece sabe. Quem não me conhece também sabe, porque eu sou igual aos Ursinhos Carinhosos, espalhando a bondade pelo mundo. É de conhecimento geral que sou um amor.

Talvez eu tenha ganhado essa reputação de perverso por causa de minhas aventuras comendo o Cu da Geladeira. Admito que foi sem lubrificante, mas ela bem que gostou.

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