13 de julho de 2004

Sobre atores e Xuxas

Há uns 47 anos, quando eu era apenas um menino feliz, morando no interior do Amapá, onde brincava na ruela de terra com os pés descalços, eu já apresentava minha inerente vocação para o teatro. Um ator nato. Todos os domingos, Dona Juracy, a vendedora de quitutes, ia para minha modesta casa de dois quartos e cozinha para ver com meus pais o teatrinho que fazia junto com dois amiguinhos meus, o Zeca e o Tonho. Dona Juracy sempre me incentivou a ser o grande ator global que sou hoje. "Um dia vais ser figurante em Tieta, meu filho!", ela dizia com a autoridade de quem vendia doces há mais de 32 anos e cinco meses para a comunidade.

Então eu virei um retirante nordestino do Amapá e fui para o Sudeste fazer testes no Prozac, a Central Globo de Produção. Eu tinha 4 aninhos e o primeiro papel que interpretei foi uma pedra. Ele não tinha muitas falas, mas uma expressão corporal incrível. Tanto que atuei mais outras vezes como pedra.

Abaixo eu listo os papéis que já interpretei, com qual idade e qual o nome da peça a qual participei:
1) Pedra - aos 4 anos - "A mosca".
2) Árvore - aos 4 anos - "Os bichos da floresta contra a poluição"
3) Rã perneta mutante - aos 4 anos - "Mutant Ninja Turtles"
4) Remake da atuação da pedra - aos 4 anos - "A mosca 3½"
5) Substituto de uma árvore que ficou doente - aos 4 anos - "Paixão de Cristo"

Depois dessa minha passagem prolífica pelo teatro carioca, percebi que num futuro próximo teria grandes possibilidades de ser um ator de sucesso. Foi quando eu aprendi a fazer filmes da Xuxa e por isso hoje em dia sou um grande latifundiário milionário que faz parte de uma dupla sertaneja.

Querem fazer um filme da Xuxa? Eu lhes ensino!


- Eu sou a rainha dos baixinhos!

A outra Xuxa, amiga.


- Está falando de mim?

Sim, exato, a quase-Carmen Elektra brasileira.

Elenco: Em primeiro lugar, a Xuxa que vai interpretar uma debilóide de mentalidade adolescente. Didi pode fazer um empregado idiota e sem graça. Todos os artistas do Brasil devem ser convidados. Leonardo e Daniel não podem faltar, e Xuxa fará par romântico com um dos dois. Sandy e Júnior podem participar sem uma função no roteiro, eles aparecerão gratuitamente. Alexandre Pires terá sua deixa no filme, onde ele aparecerá no escuro e a luz virá aos poucos iluminando sua lustrosa careca enquanto começa uma música depressiva qualquer. Aliás, todos os pagodeiros do mundo farão parte do filme. E o KLB também. Quer dizer, o filme não precisa de atores.

Roteiro: Não há. O filme ressaltará a burrice de Xuxa, e terá flashes inúteis das bandas de pagode e o KLB tocando. Isso tornará o filme completamente desconexo. Diálogos serão vazios e sempre feitos entre a personagem de Xuxa e Leonardo/Daniel, mesmo porque não há roteiro. O filme acabará num beijo. Atente para o fato de que o filme não dificulta a relação dos mocinhos em nenhum momento. Eles são apaixonados desde o começo e vão continuar apaixonados até o fim, sem que haja ao menos um vilão ou um fator de complicação para dificultar a relação.

Bam! Seja apadrinhado pela Globo e pronto! Você tem mais um sucesso de bilheteria. Agora, se você quiser fazer um filme da Xuxa e os Duendes, este tutorial não vale. E se você quer fazer um filme decente, saia deste site agora mesmo, porque já tinha que ter alguém disposto a dignificar o cinema do Brasil.

Mas se você quer ser um grande ator de sucesso de verdade, não faça um filme da Xuxa e compre um quitute da Dona Juracy lá do Amapá. Rapaz, ela fazia um pé-de-moleque daqui, ó! (segura o lóbulo da orelha com a ponta dos dedos)

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