19 de maio de 2004

Faça do sofrimento o lucro

Havia aproximadamente 102 milhões de pessoas em volta do prédio. Sabe o que mais tinha? Ambulâncias e vendedores de picolé.

Não existe nada mais lucrativo que uma tragédia. Vez ou outra a cozinha de um restaurante é incendiada, uma carreta se choca contra três carros, um cara se joga em pé do nono andar de um edifício, uma usina nuclear explode provocando câncer na sua população durante as próximas 207 gerações. Isso é bom. A multidão é atraída. Sai o bombado do meio do povão para salvar a pessoa que se estrepou dentro do prédio em chamas. Ele entra no meio do fogaréu e traz uma criancinha em seu colo. A criancinha está intoxicada com a fumaça. Ele faz massagem cardíaca - dá uns socos no peito do moleque e ele quase morre com uma parada do coração.

Cheguei à conclusão de que precisamos de mais tragédias. O número de desastres naturais em nosso país é muito pequeno, por isso precisamos dar uma forcinha para a má sorte. Em termos econômicos, isso é maravilhoso.

Imagine um desastre com um avião da Rico, que é uma espécie de TAM da região norte do país. Agora imagine que esse avião não tenha caído numa região inóspita da Amazônia como aconteceu na última sexta, 14, porque assim não tem graça. A aeronave deve cair em Manaus e dizimar umas 150 vidas, não apenas 33. Os manauaras, como bons humanos sádicos que são, se aglomerariam em segundos em volta do gigantesco acidente para ver aquela série de cadáveres pegando uma chuvinha equatorial em seus rostos deformados.

Com aquelas bilhões de pessoas ao redor do local, carros de churrasquinho, cachorro-quente, sorvetes e churros se aproximariam para alimentar a multidão no local. Pense só em quanto capital seria movimentado! Vendo o sucesso dos vendedores de alimentos, os hippies vendedores de bijuterias veriam um mercado promissor para vender suas pulserinhas de barbante por 15 reais cada. A capital amazonense estaria parada, seria um feriado forçado. E muita gente sem fazer nada é uma massa consumidora em potencial. Se alguém fosse inteligente, cercaria o lugar onde ocorreu o (a/in)cidente e cobraria ingresso para poder ver aquele monte de defunto. Perceba como várias e várias atividades são possíveis em cima de uma destruição avassaladora!

Sem contar que as linhas aéreas Rico perderiam muitos clientes e seriam obrigadas a fazer mais campanhas de marketing para reconquistar a confiança de seus usuários, aumentando assim a concorrência e beneficiando o consumidor.

Devemos começar a dar uma mão para a vocação nacional brasileira de se fuder. Façamos a nossa parte, coloquemos nosso país cada vez mais abaixo. É por isso que os países ricos têm bastantes desastres naturais. Eles sabem tirar proveito de suas mazelas. Menos o Peru e o Irã.

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