4 de julho de 2007

Conto dos absurdos

Acordara naquela manhã e, percebendo o misterioso uso do pretérito mais-que-perfeito para descrever o que ocorria, teve suas suspeitas despertadas. Fora escovar os dentes, mas, antes de entrar no banheiro, ouvira um trecho da conversa de sua mulher com uma amiga qualquer, na qual ela, sua mulher, não a amiga qualquer, o mencionava. Transcrevo literalmente a curta frase da mulher: "Sim, lá foi o meu esposo." Chocado com o vocabulário usado por sua amada, que outrora não ousaria terminar um adjetivo substantivado (como, por exemplo, esquisitice, burrice, etc) com ss, tivera suas suspeitas ainda mais aguçadas. Fora para o trabalho; houvera se esquecido de que naquele dia era seu aniversário. Ao chegar lá, o que viu não foi senão um enorme bolo, de onde saiu um travesti, que o puxou para dançar - o que divertiu à beça seus colegas de serviço, que riam como bebês tendo as barrigas acariciadas. Não pudera acreditar que existiam de fato pessoas que achavam travestis engraçados, e, durante a dança, seus membros eram levados sem resistência para onde quer que os movessem. O que sentia era um torpor, uma estupefação, diante da absurdidade dos eventos. Não havia dúvidas, as evidências eram conclusivas, e ele não podia fazer nada além de aceitar a conclusão inescapável. Estava num conto.

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