INTRODUÇÃO
Em todas as vezes que sou abordado na rua, sou indagado com muita aflição, mas, Frost, por que é que torcer para o América (do Rio, claro, que é o único que existe) é tão inofensivo? Todo brasileiro reconhece intuitivamente que o América não é um time de verdade, mas não é capaz de identificar corretamente as causas dessa sensação, e por isso permanecendo em constante estado de perturbação mental. Pretendo aqui esclarerecer todas as dúvidas acerca do assunto para, de tal forma, melhorar a qualidade de vida de boa parte da população brasileira.
AMÉRICA/RJ COMO FENÔMENO SÓCIO-PSICOLÓGICO
Todos os dias, milhares de pessoas se deparam com o mesmo problema: como explicar o fato de que torcer para o América não faz diferença nenhuma na vida de um ser humano racional? Pode-se notar que torcer para o Vasco, como eu corretamente torço, é algo que altera a vida do indivíduo. Contudo, intuitivamente percebe-se também que torcer para o Vasco e para o América ao mesmo tempo, embora sejam times da mesma cidade, não é contraditório como torcer para o Vasco e para o Flamengo simultaneamente.
POSIÇÃO DO AMÉRICA NA HIERARQUIA DA CONSCIÊNCIA HUMANA
Para a consciência humana em estado normal (i.e., sem interferência de agentes exógenos como drogas, bebidas alcoólicas etc), não há contradição entre torcer entre o Vasco e o América porque este não é exatamente um time de futebol, mas antes, digamos, uma equipe de críquete, que, acidentalmente, joga futebol, talvez até usando os tacos de críquete, mas ninguém parou para prestar muita atenção. Trata-se tão somente de ramos diferentes de torcida para diferentes esportes; seria absurdo, por exemplo, tentar torcer para o Vasco num torneio de sinuca, thou shall agree.
A EMPATIA DESPERTADA PELO AMÉRICA
Neste ano, o América chegou perto das finais da Taça Rio, e rapidamente milhões de pessoas como eu e você, pessoas normais, que naturalmente torcem para um time - talvez até dois, mas em cidades diferentes -, passaram a torcer para o América. A razão disso é que o América é a criança dos times de futebol, e todo mundo gosta de criança. O feito do América, conseguir jogar futebol, a ponto de quase chegar numa final, se pode ser relacionado facilmente ao feito de uma criança de quatro anos que, esforçadamente, consegue colorir os desenhos de seu caderninho por dentro das bordas. Pessoas de coração bom apoiariam sem pensar aquela criança, mas se ela por um infortúnio viesse a borrar o desenho, ou a riscar fora das linhas, ninguém ficaria muito triste, chocado ou decepcionado. Se, por um acaso da Vida, o América começa a jogar futebol, o apoiaremos - e esqueceremos caso ele volte a não jogar.
POR QUE O HINO DO AMÉRICA É O MAIS BONITO DENTRE OS DOS TIMES CARIOCAS
Lamartine Babo é lembrado por ter escrito o hino de todos os times do Rio, dos quais o mais belo seria o do América. Como já foi demonstrado, o América não pode ser considerado um time de futebol, mas antes uma equipe de críquete, de polo a cavalo ou de marcha atlética. Por isso, quando o América joga futebol, desperta uma empatia semelhante a que sentimos por crianças, pelos nossos filhos, por causa de seu esforço num labor desconhecido. Obviamente, uma homenagem a um filho (América) é feita com muito mais sentimento do que uma homenagem a um amigo (Vasco, Fluminense, Flamengo, Botafogo), donde se explica convincentemente o fato de o América ter o mais bonito dos hinos cariocas.
CONCLUSÃO
Não surpreendentemente, todos se esqueceram do América após ele ter sido eliminado nas semi-finais da Taça Rio. Quando nosso time oficial é eliminado de uma competição importante, lamentamos o fato, e caso isso aconteça com um time rival, lembraremos do ocorrido para importunar os torcedores adversários. Isso não ocorre com o América. Ninguém pensa em importunar um torcedor americano frustrado. A eliminação do América teve impacto psicológico nas pessoas (lembrando que é impossível torcer legitimamente para o América, ele deve ser sempre o segundo time) igual ao da eliminação de um filho de sete anos de um campeonato de karatê. Torcemos para nossos filhos em campeonatos de karatê, ficamos felizes se eles ganharem, tristes se perderem, mas não nos importamos muito. A única coisa que somos capazes de dizer é um "Parabéns, quer almoçar?", ou um "O importante é competir", ou "No ano que vem você consegue, filhão", até que esquecemos do assunto uma hora depois.
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