Em falta de um princípio geral norteador da identidade brasileira, eu havia concluído desde muito tempo que a real identidade brasileira é buscar sua identidade numa tentativa decrépita de dar sentido ao estado nacional. Sem um mito fundador, o brasileiro sempre sentiu o pecado original da falta de justificativa étnica para seu subdesenvolvimento. O brasileiro é, acima de tudo, um fudido, mas se sua miséria é justificada pela união cultural do Povo em torno do Estado-Nação, ao menos ele passa a crer que vive no melhor dos mundos possíveis.
Refratário à ideia de que o estado foi imposto e permaneceu como um parasita, uma toxoplasmose em escala massiva, o brasileiro finalmente encontra sua unidade na guerra política, nonde o Cidadão pode finalmente esquecer que se aplica a uma empresa essencialmente pointless e dedica-se a derrotar o Inimigo.
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Desafia a compreensão o que ora ocorre no Brasil, onde, como por encanto ou imperscrutável produto da fortuna, quem vota num candidato elege outro inexoravelmente outro.
Eleitores de Ciro Gomes garantem que o voto em Haddad, por eleitores do Haddad, elege Bolsonaro. Meanwhile, eleitores de Marina Silva, Alckmin, et al., vaticinam que o voto em Bolsonaro elege Haddad. É o milagre da transubstanciação do voto. Trata-se de um prodígio da imaginação, talvez alguém devesse verificar o código da Urna Eletrônica Brasileira.
Noto que é uma das certezas absolutas do universo, em que você vota no candidato que prefere, mas sempre acaba contribuindo para a eleição de seu pior pesadelo. Com mais iterações desta eleição certamente o Eleitor Brasileiro será capaz de eleger acidentalmente Yomagn’tho, o devorador das estrelas.
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Afinal, se o meu candidato tivesse mais votos em vez de menos, ele venceria o outro candidato, que eu odeio, mas teve mais votos. Talvez se as pessoas que votaram em outro candidato, em quem eu não gostaria de votar, votassem no meu candidato instead, este estado de coisas cruel & para todos os efeitos lamentável se teria sido evitado.
Flawless reasoning, é quase como se a democracia não refletisse os desejos do público, I wonder se alguém já teve essa ideia.
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De vez em quando leio algum economista falando sobre problemas de coordenação da democracia, da ignorância racional do eleitor, sobre como a democracia não garante a não captura do aparato estatal por special interests. Concordo com tudo, me compadeço, chuto pedrinhas com o pensamento de que o estado não é apropriadamente representativo dos anseios do povo, mas chega a eleição, começa uma histeria do caralho e eu só acho que o eleitor tem que se fuder mesmo, who the fuck cares.
A população tem que ser totalmente gadificada pelo marketing político. Formatada e encaixotada como a massa bestializada que é. Permanentemente usada por identidades patéticas criadas por um publicitário.
Sendo a etnia Han um produto doutrinário do estado chinês para disciplinar as massas ignaras, uma espécie de halitose política, nada mais justo, necessário e desejável que uma lorota identitária para demarcar o pasto onde seu eleitorado se alimenta.
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Que Haddad é um sujeito minúsculo, é óbvio, mas o mais fascinante é perceber que Bolsonaro é igualmente microscópico.
Bolsonaro não tem uma frase, um chavão, uma tirada, uma colocação espirituosa, um jogo de palavras. Não tem um momento marcante. Um discurso que mobilizou as massas. Nada que o destacasse em qualquer aspecto. Bolsonaro se resume a “militar”. É sua única qualificação para existir. Sua justificativa transcendental; ele é militar. Não “foi”, há 30 anos. Ele é.
Esquerdistas o classificam como fascista, o que ele provavelmente é, mas que também não o coloca essencialmente longe da esquerda, sem perceber que nenhuma ideia cola nele porque ele jamais teve alguma.
Como um mascote dos anos 90, como um Mario da política, Bolsonaro não tem nenhuma característica singular. Seu trope é ser o everyman, com apenas um descriptor: militar. O vulgo se identifica com a completa mediocridade de Bolsonaro. Até o fato de nunca ter feito nada na Câmara é um aspecto endearing. Se eu fosse deputado, também não faria nada.
Chester Cheetos tinha mais backstory que Bolsonaro.
Sua retórica é perfeitamente medíocre. Não fala bem, gagueja, mas não é escandaloso o suficiente pra stand out. Levou uma facada e ficou sem fazer campanha, mas ninguém sentiu falta, porque Bolsonaro não gera nenhum conteúdo da Campanha Bolsonaro.
É mistificadora a popularidade de Bolsonaro porque poderia ter sido qualquer um. Por acaso, foi o Capitão. A fanbase de direita criou todo o conteúdo memético e o impôs a Bolsonaro. Ele só teve que replicar meia dúzia.
Jair Bolsonaro provavelmente é uma AI responsiva ao hivemind da direita. Felizmente, ele não precisa ter medo de ser parado pela Turing Police, porque, não sei se você sabe, ele é militar.
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