I
A experiência nos ensina que só há uma forma cem por cento segura de se apaixonar. Ela consiste no seguinte: uma pessoa deve esbarrar na outra, de forma que esta derrube acidentalmente no chão os livros, as revistas, os cadernos, ou coisa que o valha, que carregava. As duas, então, agacham-se para recolher o material derrubado, balbuciando desculpas, até que os olhares de ambas se cruzam. A paixão é imediata. Elas levantam e sabem que se amam mutuamente. Não se conhece um caso na história em que o esbarrão e subseqüente recolhimento de material do chão não tenha resultado numa fulminante paixão e, em certos casos, por que não, num amor duradouro.
Apesar de, atualmente, imaginarmos que esse tipo de paixão só ocorre em séries de TV como Dawson's Creek e Veronica Mars, a detetive adolescente, há registros de esbarrões e recolhimentos de materiais em todas as épocas da história humana. Manuscritos apócrifos contam que Moisés só se casou com Ziporá quando os dois se chocaram e fizeram com que o profeta largasse as duas tábuas dos Dez Mandamentos. Quando foram recolhê-las no chão, seus olhares se cruzaram e nada mais foi como antes.
Uma passagem omitida por copistas tardios do Livro das Mil e Uma Noites, por preocupação com a coerência, dá conta que o rei Sharyah na verdade não mata Sharazad por conta da paixão fulminante que tem por ela, que lhe acometeu após eles se esbarrarem e se agacharrem para pegar alguns palimpsestos do chão.
(Continua — como o episódio de House da semana passada na Record, que adiou a conclusão para esta semana e me deixou com muita raiva.)
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